Hoje me chegou às mãos esta excelente crônica de Paula
Pfeifer Moreira. È uma aula de civilização para varejistas e outros cidadãos...
Escreve ela:
Segunda-feira resolvi encarar um
Carrefour, acompanhada de uma tia-avó que tem quase 70 anos. Eu NUNCA entro
em filas especiais, seja em
banco, supermercado, repartição pública ou onde for. Mesmo que a lei me conceda
esse direito, nunca me importei de esperar mais tempo numa fila ‘normal’.
Aí, na primeira vez que resolvo
entrar numa fila especial, olha só o que me acontece. Minha tia me pediu pra
esperar na fila enquanto ela ia buscar algo que tinha esquecido de colocar no
carrinho. Bastou ela sair, que duas senhoras se plantaram na minha frente com
ar de deboche e num tom de voz irônico e falando aos berros para que todo mundo
visse e me hostilizasse junto, disseram: “Ué, a fila especial é aqui?“
Eu: “É, mas o fim da fila é lá
atrás!” (a fila não era em linha reta e bem confusa, por sinal)
Elas: “Mas então o que
é que tu tá fazendo aqui minha filha? Tu tá grávida por acaso?” (gritando)
Eu tenho sangue frio, e vivo
comentando que meu sonho de consumo é xingar alguém que merece ser xingado
exatamente no momento em que isso deve ser feito. Só pra variar, não consegui.
Minha educação sempre fala mais alto.
Eu: “Não senhora, não estou
grávida. Eu tenho deficiência auditiva (apontando pros AASI) e estou também
acompanhando uma senhora de 70 anos!“.
As duas me olharam com um misto
de vergonha e cara de nojo, deram as costas e foram embora. Quem estava bem
perto quase começou a cavar um buraco de vergonha alheia. E eu fiquei com cara
de tacho pensando que perdi a chance de rodar a baiana em público e dar uma aula
de civilidade para duas senhoras mal educadas e grossas que não
precisavam ter dado o tal showzinho. Fiquei tão sem graça que saí da fila, fui
até o caixa e perguntei se a fila era somente para pessoas com deficiência
física, mas ela disse que não, era para pessoas com QUALQUER
DEFICIÊNCIA. Voltei pro meu lugar, esperei até ser atendida e fui embora.
Quando cheguei em casa, consultei
a legislação e, realmente, eu tinha pleno direito de usar a fila especial. Aí
fiquei me perguntando por que nunca tinha feito isso? Cheguei à conclusão de
que acabo sentindo pena de quem está em situação pior ali de
pé e abro mão. Foi então que me liguei que essa atitude é errada.
Não existe deficiência pior ou
melhor, o que existe é a mentalidade de que precisamos sentir pena do
deficiente. E nós mesmos, que somos pessoas com deficiência, fazemos
exatamente isso – basta perguntar a qualquer DA porque ele abre mão desse
direito. E por que? Porque a surdez é a deficiência invisível,
aquela que ninguém nota, aquela difícil de ser explicada (especialmente se você
é surdo oralizado ou não usa aparelhos auditivos), aquela que não causa pena
aos olhos de quem vê.
Entre pagar o mico que paguei
hoje e ir direto pra fila normal sem ser importunado, todo mundo prefere a
segunda opção.
Por último, acho que aquela placa
que sinaliza a fila especial é errada. Ela tem uma figura de um idoso, de um
cadeirante e de uma grávida em 99% dos casos. E ainda diz “idosos, deficientes
e gestantes”. Aí as pessoas olham para as figuras e ficam achando que só tem
direito a estar ali o deficiente que for cadeirante. Aí você percebe que
o imaginário coletivo acha que surdos, cegos, colostomizado etc.
não saem de casa, não vão ao banco, ao mercado, blablabla. Devem
ficar escondidos numa caverna ou coisa do tipo!

Me
pergunto: será que os gerentes de mercados, bancos, etc, estão preparados para
lidar com eventuais barracos (nem todo mundo tem sangue frio como eu) e
conhecem a legislação na ponta da língua para defender aquele que está sendo
atacado injustamente?? No fim das contas, realmente me desagrada ter que ficar
dando satisfações a respeito da minha vida e da minha deficiência para
estranhos que eu nunca vi na vida, num lugar público, sendo julgada de antemão
por gente que eu não conheço e que não tem nada a ver com o fato de eu estar
numa fila especial.
Autora: Paula Pfeifer Moreira – https://cronicasdasurdez.com/