Cada vez mais a ciência
transforma as perspectivas de vida e as convicções da raça humana. Cerca de 200
anos atrás quem diria, sem parecer doido varrido, que o homem voaria pelo
planeta em questão de horas chegando, mesmo a sair de um lugar numa determinada
hora e chegar do outro lado do mundo em horário anterior ao que saiu? Eu me
recordo que, há não tanto tempo assim, um dos passeios preferidos do meu pai
era o Aeroporto de Congonhas para ver a decolagem ou a aterrissagem de um avião
chamado “Caravelle” que hoje, certamente, repousa em algum museu de aviação
pelo mundo afora. Internet, telefonia móvel, viagens interplanetárias,
cura de doenças como a tuberculose que, de tão fatal, mas, ao mesmo tempo,
charmosa, ganhou o apelido de Mal do Século, só que, lá do século XIX, tudo
isso são apenas alguns exemplos esparsos do quanto a ciência tem revolucionado
conhecimentos, crenças, convicções, filosofias, a sociedade humana por
inteiro.
Não sei, não, mas tenho a forte
impressão que, em breve, a ciência vai conseguir provar que certos conceitos
até agora tidos como abstratos, são muito mais concretos e palpáveis do que se
pensa ainda hoje. Exemplo? O mau humor. Eu tenho achado que, logo, logo,
vai ser demonstrado por “a” mais “b” que o mau humor tem peso, altura, massa
corporal e ocupa lugar no espaço. Alguém duvida? Pois, então, preste
atenção numa criatura mal humorada. A sensação que se tem é que, quando alguém
assim entra, por exemplo, em um elevador, não cabe mais ninguém. Fica parecendo
que o elevador não vai conseguir nem sair do lugar por conta do excesso de
peso, do peso do mau humor. Mal humorado em reunião de trabalho é uma tristeza.
Não há plano que possa dar certo, iniciativa que tenha alguma chance de
sucesso, futuro minimamente iluminado. É tudo escuro, pesado, arrastado,
difícil. E cansa o dobro, pois custa o dobro de esforço dos demais para
permanecer no local ou no evento.
O mal-humorado é uma espécie de
escoteiro do azedume. Está sempre alerta, pronto para revidar a qualquer
abordagem. Meu pai costumava dizer que há uns tipos que dormem com as pernas
encolhidas só para poder acordar e começar o dia desferindo um par de coices. É
a cara do mal-humorado. Mas, que ninguém pense que o coice tem, sempre, que
estar revestido de grosseria, má-criação. Nada disso. O mal-humorado é capaz de
muitas variações sobre o tema. O coice pode vir sob a forma daquele olhar
fuzilante, daquela expressão de enfado, sobrancelha enrugada. É o coice
ingressando nos salões do protocolo. Alguns se refinam tanto a ponto de bufar.
Os mais contaminados bufam alto. Outros insinuam o bufo, mas o suficiente para
que se perceba sua presença. E o seu mau humor, é claro. Se, ao tratar com o
mal-humorado, o circunstante mais incauto não tomar alguns cuidados como, por
exemplo, se agasalhar quando tiver que conversar com um deles, corre o risco de
apanhar uma pneumonia. Pois os tipos são piores que vento encanado apanhado
logo depois de um banho quente. Com sorte, o desavisado sai no mínimo
espirrando.

Um mal-humorado pode se
desenvolver nas melhores famílias. Não é que eles deponham de forma
incorrigível contra a dignidade do clã familiar de ninguém. É só um acidente,
como tantos outros. Não é aconselhável que as famílias escondam seus membros
dotados desse problema, ainda que possa atentar um pouco contra o orgulho das
dinastias. Afinal, pode ser que o caso tenha solução já que a esperança é a
última que morre. E, quando se trata de um caso com quem se tenha mais
proximidade, há uns momentos em que qualquer um se sente tentado a interferir.
E pode fazer perguntas como: “o que é que você tem? Está com algum problema?”
Eu nunca vi um mal-humorado responder qualquer outra coisa que não seja “Eu
estou ótimo. Não tenho problema algum”. A resposta pode vir acompanhada de um
“Quem deve ter problema é você”. Tudo bem temperado com generosas porções de
mau humor. O mal-humorado nunca reconhece o seu mau humor e, por conta disso,
vai se mal-humorado pela vida afora, vai se tornando cada vez mais chato, mais
arredio. Afinal, quem é que vai querer conviver com um tipo desses, que não
seja por obrigação de oficio ou pagamento de pecado, penitência, coisas assim?
O mais curioso de tudo é que ninguém ganha coisa alguma com isso. Nem o
mal-humorado nem os que estão por perto. É mais ou menos como cigarro: ruim
para o fumante e para os chamados fumantes passivos. Será que os que ficam por
perto de um mal-humorado poderiam ser qualificados como “mal-humorados
passivos”?
Não tenho idéia de como dar nomes
a nenhuma dessas categorias e isso também não faz a menor diferença. O que
seria bom, mesmo, é se a ciência pudesse identificar as características físicas
do mau humor. Quem sabe assim não se conseguiria registrar a praga em filme ou
em fotografia, espalhar pela internet, colocar no “You-Tube”, criar uma
comunidade no “Orkut”, fazer, enfim, com que todo mundo pudesse ver como o mau
humor é sem graça, feio, inconveniente e totalmente improdutivo. Todo
mal-humorado deveria ganhar, dos deuses, uma enorme verruga no nariz, como a daquelas
bruxas de desenho animado. Quem sabe se materializando o mau humor, os
mal-humorados de fé não acabam percebendo que, no fundo, ninguém dá a menor
importância a eles e às suas caras feias. Aí, talvez, contraíssem algum bom
humor, só por ranhetice.
Autor: Bellini Lima -
http://www.slideshare.net/BelliniLima