Mau humor pode ser doença --e
grave! Um transtorno mental que se manifesta por meio de uma rabugice que
parece eterna. Lembra muito o estado de espírito do Hardy Har Har, a hiena de
desenho animado famosa por viver resmungando "Oh dia, oh céu, oh vida, oh
azar".
Distimia é o nome dessa doença.
Reconhecida pela medicina nos anos 80, é uma forma crônica de depressão, com
sintomas mais leves. "Enquanto a pessoa com depressão grave fica
paralisada, quem tem distimia continua tocando a vida, mas está sempre
reclamando", diz o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de
Ansiedade do Hospital das Clínicas (HC).
O distímico só enxerga o lado
negativo do mundo e não sente prazer em nada. A diferença entre ele e o resto dos
mal-humorados é que os últimos reclamam de um problema, mas param diante da
resolução. O distímico reclama até se ganha na loteria. "Não fica feliz,
porque começa a pensar em coisas negativas, como ser alvo de assalto ou de
seqüestro", diz o psiquiatra Antônio Egídio Nardi, professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Se você conhece alguém assim,
abra os olhos da pessoa, porque raramente o distímico pede ajuda. Ele não se
enxerga. "Para a maioria dos pacientes, o mau humor constante é um traço
de sua personalidade. A desculpa pela rabugice recai sempre no ambiente ao seu
redor, o que inclui o tempo, o chefe ou a sogra, por exemplo", diz Nardi.
O bancário João (nome
fictício), 40, diagnosticado oito anos atrás, confirma: "Eu achava que era
algo que vinha desde a infância, que fazia parte da minha educação. Quando o
médico disse o que eu tinha, foi como tirar um peso das costas".
Dele e da mulher também, a
secretária Helena (nome fictício). "Ele sempre arranjava algum motivo para
reclamar. A torneira da cozinha quebrava, e ele via aquilo como se fosse o fim
do mundo. Eu vivia em
tensão. Fazia de tudo para poupá-lo do dia-a-dia, mesmo assim
ele encontrava algo para reclamar", conta ela. A situação piorou quando a
intolerância passou a mirar os filhos. "Fomos procurar ajuda, mas demorou
anos para alguém acertar o diagnóstico."
Esse transtorno mental atinge,
pelo menos, 180 milhões de pessoas no mundo, que, quando não tratadas, tendem a
se isolar. "Levantar da cama era um martírio. No chuveiro, já começava a
me angustiar. Pensava nas horas em que ia ficar na marginal, no papo monótono
dos colegas de trabalho e no dia que vinha pela frente, cheio de decepções.
Nada tinha graça", conta a executiva Fernanda (nome fictício), 37.
A doença não deve ser subestimada, pois o portador corre um risco 30% maior de desenvolver quadros depressivos graves. "Sem contar que também pode levar as pessoas ao consumo de álcool ou outras drogas, pois elas se iludem achando que assim acabam com a irritação", alerta Nardi.
O mau humor é herdado e, em
geral, manifesta-se na adolescência, desencadeado por um acontecimento
marcante. Porém, como essa fase da vida já é, de modo geral, conturbada, há
dificuldade de identificar a doença.
Aliás, quem tem distimia
costuma procurar ajuda só quando ela já evoluiu para um quadro depressivo
grave. "O desconhecimento prevalece nos primeiros anos. Essas pessoas
aprendem a funcionar irritadas. Acham que, por ser um traço de personalidade, o
problema é imutável. Um erro freqüente", alerta Bernik.
Foi o caso de Maria Lucia (nome
fictício), funcionária pública, que descobriu a distimia quando foi procurar
ajuda psiquiátrica, há três anos. "Eu pensava que era depressão, não sabia
da existência do transtorno. Sempre desconfiei do meu comportamento. Era
conhecida por dar shows de mau humor, falar alto, ofender as pessoas; meu
marido tinha até medo de mim", diz ela.
Maria, 53, tem certeza de que a
sua doença é de família. "Minha mãe e minhas irmãs têm o mesmo problema.
Recentemente, conversando com seus maridos, cheguei à conclusão de que a
impaciência é uma característica familiar. Minha irmã caçula, aliás, já está
procurando ajuda", conta.
O mau humor patológico não
precisa ser eterno. "Poucos sabem que a distimia pode ser tratada com a
ajuda de medicamentos antidepressivos associados à terapia, cuja base é a
psicologia cognitiva", diz o psiquiatra José Alberto Del Porto, da Unifesp.
Segundo a psicóloga Mariângela
Gentil Savoia, que atende distímicos no HC, a terapia leva o paciente a
vivenciar suas aflições. "O objetivo é ensinar uma nova forma de
pensamento. Se ele não suporta sair de casa, sintoma comum na distimia, forçamos
os passeios. A idéia é que ele aprenda a sentir prazer novamente", diz
Savoia.
Já as causas, como ocorre na
depressão, estão em um possível desequilíbrio químico que envolve uma série de
neurotransmissores em regiões do cérebro que comandam o humor, como o sistema
límbico, o hipotálamo e o lobo frontal. "Daí a eficácia dos antidepressivos,
cuja função é restabelecer esse equilíbrio químico", diz o psiquiatra
Diogo Lara, da PUC-RS.
Para certificar-se de que a
rabugice é mesmo patológica, os sintomas devem persistir por, no mínimo, dois
anos. Se a pessoa for mulher, as chances de haver distimia dobram --a variação
hormonal do organismo feminino explica a desvantagem.
E, se o mau humor patológico
tem remédio, o mau humor "natural" também. Vários fatores interferem
no humor. O cheiro, por exemplo, que é capaz de abrir o sorriso no rosto de um
trombudo. E mais: ao contrário do que se pensa, o humor melhora com a idade!
Autora: Karina Klinger - free-lance para a Folha
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