Num final de semana conversava com
amigos, num bar, quando surgiu uma discussão sobre o perigo das armas. Um disse
que faca era uma das mais perigosas, outro retrucou dizendo que era o revolver
e eu disse que era a língua. Todos olharam para mim rindo, pensando era uma
brincadeira. Foi ai que contei-lhes a seguinte história:
Esopo era um escravo de rara inteligência que servia à casa
de um conhecido chefe militar da antiga Grécia.
Certo dia, em que seu patrão conversava com outro
companheiro sobre os males e as virtudes do mundo, Esopo foi chamado a dar sua
opinião sobre o assunto, ao que respondeu seguramente:
– Tenho a mais absoluta certeza de que a maior virtude da
Terra está à venda no mercado.
– Como? Perguntou o amo surpreso. Tens certeza do que está
falando? Como podes afirmar tal coisa?
– Não só afirmo, como, se meu amo permitir, irei até lá e
trarei a maior virtude da Terra.
Com a devida autorização do amo, saiu Esopo e, dali a
alguns minutos voltou carregando um pequeno embrulho.
Ao abrir o pacote, o velho chefe encontrou vários pedaços
de língua, e, enfurecido, deu ao escravo uma chance para explicar-se.
– Meu amo, não vos enganei, retrucou Esopo.
– A língua é, realmente, a maior das virtudes. Com ela
podemos consolar, ensinar, esclarecer, aliviar e conduzir.
– Pela língua os ensinos dos filósofos são divulgados, os
conceitos religiosos são espalhados, as obras dos poetas se tornam conhecidas
de todos.
– Acaso podeis negar essas verdades, meu amo?
– Boa, meu caro, retrucou o amigo do amo. Já que és
desembaraçado, que tal trazer-me agora o pior vício do mundo.
– É perfeitamente possível, senhor, e com nova autorização
de meu amo, irei novamente ao mercado e de lá trarei o pior vício de toda
terra.
Concedida a permissão, Esopo saiu novamente e dali a
minutos voltava com outro pacote semelhante ao primeiro.
Ao abri-lo, os amigos encontraram novamente pedaços de
língua. Desapontados, interrogaram o escravo e obtiveram dele surpreendente
resposta:
– Por que vos admirais de minha escolha?
– Do mesmo modo que a língua, bem utilizada, se converte
numa sublime virtude, quando relegada a planos inferiores se transforma no pior
dos vícios.
- Através dela tecem-se as intrigas e as violências
verbais. Através dela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinada, podem
ser corrompidas e apresentadas como anedotas vulgares e sem sentido.
– Através da língua, estabelecem-se as discussões
infrutíferas, os desentendimentos prolongados e as confusões populares que
levam ao desequilíbrio social.
– Acaso podeis refutar o que digo? Indagou Esopo.
Impressionados com a inteligência invulgar do serviçal,
ambos os senhores calaram-se, comovidos, e o velho chefe, no mesmo instante,
reconhecendo o disparate que era ter um homem tão sábio como escravo, deu-lhe a
liberdade.
Esopo aceitou a libertação e tornou-se, mais tarde, um
contador de fábulas muito conhecido da antiguidade e cujas histórias até hoje
se espalham por todo mundo.
Todos
ouviram o que eu lhes havia contado e resolveram falar de outro assunto, ou
como se diz na gíria, “colocar suas línguas no saco.”
E
você, tem cuidado de sua língua?
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